23 de junho de 2010

Uma parte de mim

Era assim há meses. Saia a pensar como ia ser, como daria a notícia e como essa iria ser recebida, fui-me despedindo secretamente, intimamente, aula a aula, exercício a exercício, correcção a correcção, música a música... dos gestos, das expressões, das vozes. É uma despedida voluntária, necessária mas pesada, com o peso de tudo o que é incomensurável e deixa-me dorida.
Deixou de ser secreta e íntima e estou ainda mais dorida, pelos gestos, as palavras, as expressões que de todas as formas me tentam demover e há olhares que cavam dentro de mim à procura de respostas para o futuro que não posso dar.
Falta pouco, sei das lágrimas e dos abraços, vai ser duro.

21 de junho de 2010

Os Significados
Não sei como tudo começou: suponho
que havia uma figura que depois
se estilhaçou para formar um puzzle.
Mas se juntarem todas as peças
talvez não haja nenhuma figura, e então
de que origem intacta partiu tudo
o que depois se quebrou? É impossível
fazer estilhaços de estilhaços sem uma
coerência primeira, agora ausente.
Quando todas as peças se juntam
estaremos reduzidos ainda a uma peça
de uma figura maior, ou essa figura
é uma utopia pragmática, instrumental,
que permite algum sentido ?
Ó significados, para vós, na infância,
tinha um caderno.

Pedro Mexia, in "Duplo Império"

18 de junho de 2010

O arquipélago da humanidade

Por mais que não queiramos cada homem é uma ilha sim.
Somos todos uma pequena ilha, por vezes e só por vezes, lançamos pontes para outra ilha mas pontes vulneráveis, volúveis,  efémeras, provisórias, a termo certo ou incerto. E quanto mais afundada for ficando uma ilha mais depressa lhe retiramos a ponte com receio de ir atrás.
A cada dia que passa mais provas tenho que sim, cada homem é uma ilha e o nosso mundo um imenso arquipélago.

...

Sei que muito se vai escrever um pouco por todo o lado mas soube-o agora mesmo: morreu um dos meus ídolos literários. Sou assumidamente fã de Saramago e sempre o defendi como génio literário que é durante as polémicas que ocasionalmente levantava (o que lhe agradava fazer). Já era fã antes do Nobel e rejubilei com esse galardão não só para ele mas para a Língua Portuguesa. De todas as obras que li ficou comigo alguma cena, personagem, nome ou imagem, como o cão achado, o Sr. José, o cão das lágrimas e tantas outras coisas.
O Homem parte mas a obra fica, estamos de luto mas não mais pobres. E tanto haveria para dizer mas como não tenho palavras suficientemente dignificantes fico por aqui na minha homenagem.

15 de junho de 2010

O meu patriotismo

Lamento mas não usarei lenços verde/vermelho ao pescoço, bandeira de Portugal às costas, vovuzela nos beiços ou cueca bicolor a condizer. Não, também não interromperei o trabalho para ver o jogo de futebol porque o país precisa de alegria sim mas mais ainda de produtividade.

8 de junho de 2010

Ainda a propósito..

Que sinal está a dar o governo aos jovens deste país quando propõe uma medida que abre a possibilidade de se saltar anos de ensino sem ter trabalhado para tal?! Não somos já um povo suficientemente negligente, displicente e pouco produtivo?!  Não havia já facilitismo a mais?! Estes jovens um dia mais tarde também não serão assíduos ao trabalho, serão adultos irresponsáveis que metem baixas falsas e tentam fazer o menos possível (e se calhar ainda serão premiados). É o simplex da educação?!
 Mais uma vez falta orgulho e brio e ainda dignidade no ensino deste país.
E desculpem a indignação...

1 de junho de 2010

Instrução ou o tesouro de outros tempos

Não sabia ler. A minha bisavó. Teve onze filhos e muitos mais netos, um deles o meu pai. Passava uma semana por ano em nossa casa, ensinou-me a rezar e a fazer a trança. Era pequenina e vestia preto pelo marido, que eu nunca conheci. Sabia apenas escrever o seu nome e fazia-o com letra desenhada e grande com um orgulho que não cabia no papel. Guardo essa memória e esse orgulho no livrinho de orações que me ofereceu na Primeira Comunhão.
O meu avô andou na escola, fez a instrução básica e bastava porque era preciso trabalhar e estudar não era para todos. Lembro a caligrafia perfeita e mais do que isso os seus números briosos, o 2 começava com uma bolinha na ponta e desenvolvia-se como um arabesco. Saber a aritmética (como dizia sempre), escrever e ler eram a sua possessão mais valiosa.
Por isto me entristece e envergonha que a instrução (no seu sentido mais abrangente) hoje, com posto de dado adquirido, seja tão pouco valorizada por quem a recebe que usa a escola para tudo menos para aprender e por quem toma as decisões que se preocupa mais com as estatísticas do que com a essência da educação e do ensino. 
Faltam orgulho e brio.