31 de dezembro de 2012

Despedida

Despeço-me de um ano atípico, um ano que me levou às nuvens e me enterrou viva; um ano em que trabalhei muito numa metade e me vi obrigada ao repouso na outra; senti a maior solidão mas também fui abraçada de muitas formas por muitas pessoas; descobri novos super heroís; sonhei muito; chorei muito; esperei muito; houve despedidas e regressos, abraços feitos e desfeitos; inícios e desfechos; medo e coragem. Despeço-me dele da melhor forma.
Ano novo, vida nova nunca me fez tanto sentido.

30 de dezembro de 2012

Crónicas de uma nova vida #6

E eis que ao 38º dia de nascimento e às vésperas de Natal os meus pequenos grandes filhos tiveram alta. "Presente de Natal para esta mamã" disse o médico, e que presente! Um presente que, se por um lado me deixou radiante de felicidade, por outro me deixou paralisada de medo. Um medo terrível, não das fraldas, não das noites sem dormir, e do trabalho que adivinhava mas medo que algo nos fizesse ter de voltar para ali, para um sítio onde fomos a um tempo só esmagados de dor e muito felizes (penso que quem passou por uma experiência assim pode compreender esta ambiguidade). Foi dificil sair por aquelas portas como nunca imaginei que seria, senti que me cortavam outro cordão umbilical...
Agora estamos bem, muito trabalho, muito cansaço ( a exaustão que senti durante os primeiros meses do meu primeiro filho são peanuts comparados com isto), muiiiiito sono mas muito alegria ao olhar para estes meus pequenos heróis a crescer de dia para dia.
Difícil mesmo foi não ir a correr comunicar ao mundo a sua vinda para casa pois as orientações médicas foram muito claras: cuidado com as visitas, andar de colo em colo e ser beijocados por toda a gente, uma insignificância qualquer pode revelar-se uma grande complicação para estes bébés. Há medida que vão sabendo as visitas chegam mas são cautelosas e respeitadoras, tem sido fácil de gerir.
Não tão fácil é ter de tratar de 3 em simultâneo, tenho ficado sozinha amiúde e é a loucura: quando um chora, chora o outro; quando um tem fome o outro também; sujam as fraldas em sintonia; o mano quer atenção; demoram imenso a beber um pequeno biberon de leite devido à sua imaturidade na coordenação da sucção, deglutição e respiração; lava biberons; esteriliza biberons; ferve água; lava roupa; estende roupa; passa roupa and so on... às vezes de super-mulher a farrapo são 2 minutos de diferença mas por eles viro-me do avesso e atravesso o arame a fazer o pino e de olhos fechados e sei que vale a pena.

20 de dezembro de 2012

Preparar o coração

"Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... "
                                                                                                 Antoine de Saint-Exupéry, Le Petit Prince

Ou a explicação das "borboletas no estômago".

18 de dezembro de 2012

Mudança de planos

Já ia no plano B, acho que vou precisar de um plano C.
Reinvenção, reformulação, reestruturação, remodelação, reanimação são as palavras de ordem.

17 de dezembro de 2012

Sonhos a soldo

Só tenho um sonho, um único, condensado, para ser mais forte. Não é ter uma casa na praia, nem fazer compras em Nova Iorque, não é saltar de paraquedas nem conhecer nenhum actor. É um sonho simples, sem ambição ou glamour. Que a felicidade não seja finita, não se esgote em pequenos lapsos de tempo/espaço, que seja constante para poder acreditar nela sempre e mais. E a minha felicidade é tão simplória que se resume em ter a família junta, num ninho quente, para cuidá-la e mimá-la. Sonho pequeno portanto. Parece fácil, não? Não. À conta de crises, troikas e outras gangrenas muitas famílias se obrigam à separação e à distância e sonhos modestos e vulgares como o que apresentei transformam-se em demandas pelo Santo Graal. 

16 de dezembro de 2012

Novembro

E Novembro já passou mas está-me para sempre na pele, no sangue, nas entranhas.
Os meus pequenos filhos já nasceram há um mês.
 

15 de dezembro de 2012

Ver as vistas

As primeiras vistas deles sobre o mundo exterior


14 de dezembro de 2012

Crónicas de uma nova vida #5

Eu e todas as mães com os bébés prematuros internados temos "direito" a acompanhamento psicológico  lá na maternidade. Se no inicio me pareceu forçado agora não prescindo da conversa semanal que temos a sós. Na última sessão a psicóloga perguntou o que é que toda esta experiência e todo o processo que no presente vivencio poderá transformar na minha pessoa, no meu pensamento e no relacionamento com os outros. Entre outras coisas fiquei a pensar nos meus amigos. Nunca fui pessoa de grandes círculos de amizades, sempre se contaram pelos dedos de uma mão e são sempre fruto do tempo. Ora os amigos a sério não foram surpresa, não se revelaram de repente. Mas têm sido os melhores do mundo. Mesmo quando me viro para dentro e quero fechar a porta, mesmo quando as palavras não saem e o silêncio se instala não desarmam e não desistem, fazem-se presentes e constantes e mesmo sem braços me têm rodeado nos últimos meses num abraço quente e forte. São e estão e dou-lhes um valor incomensurável mais do que nunca, mais do que possam imaginar, mais do que consiga dizer para além do "obrigada". 

13 de dezembro de 2012

Portugueses (a cantar) no mundo

E foi assim, que há muitos anos, me foi apresentada...em neerlandês. E nunca mais larguei. Cristina Branco e Blof

10 de dezembro de 2012

A santa inquisição da amamentação

Já sabia. Agora confirmei. Muitas mães só amamentam para não sofrer o julgamento da sociedade. Sim, dizer em voz alta que não se amamenta ou que não se pretende amamentar dava direito a ser enterrada na praça pública só com a cabeça de fora e apedrejada por cima caso houvesse entre nós semelhante costume. E isto independentemente dos motivos pois que se os há fúteis (porque há) também os há efetivamente válidos. Fico doente com este radicalismo/fundamentalismo/fanatismo em relação à amamentação. De que é o melhor para o bébé não tenho dúvida, não me falta a informação a respeito, que é o mais económico também sei. Com o que não posso é com a pergunta recorrente do "tens leite?", "dás mama?", com o olhar que recebo quando digo que não e, pior, com o ficarem à espera de uma justificação que não entendo que necessite de dar acerca dos meus motivos. Não suporto a pressão a que estou sujeita para retirar leite com uma bomba (os prematuros até determinada idade gestacional não têm o reflexo de sucção) mesmo sabendo que a muito custo consigo tapar o fundo do biberon para dividir por dois bébés; não suporto os olhares inquisidores como se gostasse menos dos meus filhos por isso. É por amá-los que não quero que passem fome como passou o meu primeiro filho à conta da obsessão pela amamentação, não, não é por egoísmo e não é por receio de ficar com a mama assim ou assado. Já há tempos escrevi sobre o assunto, é tudo muito bonito quando tudo corre bem mas a mim a única recordação que tenho de dar mama é de frustração e tristeza e isso parece-me ir contra tudo aquilo que se quer transmitir a um filho na hora de o alimentar. Bom senso precisa-se. 

7 de dezembro de 2012

Crónicas de uma nova vida #4

3 semanas já. Vivemos aqui há 3 semanas. Temos partilhado o espaço com outros bébés que vimos chegar e já vimos partir, alguns ficam só umas horas, outros um dia ou uma noite, outros uma semana, depende do seu peso e das condições em que nascem. Dos que nos fizeram companhia mais tempo já nos despedimos de 5. Fico feliz por aquelas mães, gosto de ver como têm um olhar diferente mais vivo e brilhante, fico a imaginar como será aquele primeiro dia que passarão em casa junto dos seus e longe das máquinas e das batas. Fico um bocadinho triste porque as "mães acompanhantes" (nosso estatuto oficial) têm as mesmas angústias e preocupações, compreendemo-nos, falamos sobre as mesmas coisas, apoiamo-nos, encorajamo-nos e fico a sonhar com o dia em que também eu sairei daquelas portas com os meus filhos e entro com eles em casa, fechando assim este ciclo.

6 de dezembro de 2012

Reverso

Não é a percepção normal que se tem deste lugar. É um lugar de esperanças e alegrias. Normalmente. Mas a maternidade também é, sei-o bem agora, lugar de muita dor, muita tristeza e grandes solidões. É o avesso, o reverso, deste lugar.
Há a solidão ansiosa mas alegre dos homens que aguardam no corredor de acesso à sala de partos; há a solidão amargurada das mães que trazem ao mundo crianças sem uma palavra amiga, sem apoio da família ou sem a presença dos namorados/maridos/companheiros; a tristeza das ex-futuras mães que saem de esperança vazia... Conheço agora muitas destas histórias e todas me doem um pouco e é nos corredores apressados e populosos desta maternidade que sinto a maior solidão.

5 de dezembro de 2012

Crónicas de uma nova vida #3

Os melhores momentos que passo na UCIN são os do "canguru". Canguru é o nome dado à técnica de colocar o bébé prematuro só de fralda no peito nú da mãe e envolver depois os dois com a bata e assim ficar, reclinados num cadeirão, com a iluminação reduzida, durante duas horas. É mágico como durante essas duas horas o bébé fica completamente estabilizado e com os valores ideais (tensão, frequência cardíaca e respiratória, etc, pois continua monitorizado com os eletrodos) durante todo o tempo. É mágico como as duas horas passam num instante, o bébé dorme sereno e eu tenho o meu momento zen em que consigo esquecer tudo o resto e concentrar-me na respiração dele, no seu cheiro, na sua pele, e cantar-lhe baixinho. Foi mágico quando o pude fazer pela primeira vez, após 6 dias do nascimento a um e 7 a outro (é um dia cada um). Quando presente o pai também pode beneficiar desta experiência e é vê-los, maravilhados, com sorriso de orelha a orelha e em caso de gémeos pode estar a mãe com um e o pai com outro. Os estudos apontam que esta técnica promove de facto a estabilidade de algumas funções vitais do bébé, protege o vínculo materno-infantil uma vez que o bébé reconhece o som do coração e da voz da mãe, o cheiro da mãe e tranquiliza-o emocionalmente. Para a mãe (é comum a todas) é o melhor e mais ansiado momento do dia quando eles "saltam" da incubadora para o nosso colinho.

2 de dezembro de 2012

metamorfoses

Li-o há vários anos atrás, ficou-me marcado nessa altura, altura em que a vida se compunha de outros objectivos, desenhava outros caminhos e apresentava outras personagens.
"A última escala do Tramp Steamer" de Álvaro Mutis, peguei nele outra vez, foi o primeiro título que me ocorreu quando procurei algo para me acompanhar durante a hora de troca de turno em que sou obrigada a sair da UCIN. Releio-o e faço duas viagens numa só: a dos personagens que voltam a agarrar-me à sua história e a do tempo, do meu tempo, dos cheiros e músicas e espaços da época em que conheci aqueles personagens. Sei porque foi a ele que as minhas mãos procuraram: encerra um conto de nostalgia, solidão, distância e transição. Mostra como um acontecimento ou alguém pode, em pouco tempo, transformar um ser humano. Sei que o momento que estou a viver e que vem a desenrolar-se de alguns meses a esta parte me faz deixar muita coisa de mim para trás, tenho como que uma segunda pele, sei que nunca mais serei a mesma pessoa nem fisica nem afetiva nem psicologicamente. E não sei se isso faz de mim melhor ou pior pessoa, sei apenas que diferente.